Após dez anos, lei que obriga ensino afro-brasileiro nas escolas não é aplicada
Lei voltou a ser discutida nesta semana no RS, com audiência pública
solicitada pelo movimento negro que gerou declarações no governo do
estado e na Assembleia Legislativa
25/04/2013
Iuri Müller
Aprovada
pelo Congresso e sancionada pelo ex-presidente Luís Inácio Lula da
Silva ainda em 2003, a Lei 10.639 – que prevê a obrigatoriedade da
temática “História e Cultura Afro-Brasileira” no currículo das escolas
do país – é aplicada apenas de forma mínima, mesmo dez anos depois. A
situação da lei voltou a ser discutida nesta semana no Rio Grande do
Sul, com a audiência pública solicitada pelo movimento negro que gerou
declarações no governo do estado e na Assembleia Legislativa.
A
audiência ocorreu na última terça-feira (23), na Assembleia Legislativa,
em Porto Alegre. A reivindicação principal, de cobrar maior rigor no
cumprimento da lei e na fiscalização do que é realizado, fez com que
deputados e representantes do governo buscassem encaminhamentos para um
panorama que, segundo os movimentos sociais, se alterou pouco ou nada
mesmo após uma década de implementação.
Para a assessora de
Diversidade Étnico-Racial da Secretaria de Educação do Rio Grande do
Sul, Marielda Medeiros, em entrevista para o Sul21, “o
poder público tem responsabilidade na questão, que é importante no
combate ao racismo e ao desconhecimento”. Para Marielda, o grande número
de escolas, a fragilidade da formação de parte dos professores e o
desafio cultural que é discutir o racismo podem atrasar a aplicação da
lei – mas não o desconhecimento do tema. “Depois de dez anos (da aprovação da lei), ninguém pode dizer que não a conhece, e nem quais são os conteúdos necessários”, diz.
Quanto
à formação dos professores nas universidades, processo intimamente
relacionado ao sucesso das medidas, a assessora afirma que “o governo do
estado tem parceria com universidades públicas e privadas para que o
professor receba a formação necessária. Ainda assim, o currículo de
muitas universidades permanece frágil e professores saem com deficiência
nos temas relacionados à cultura e história afro-brasileira.”
Presidente
da Comissão de Educação, Cultura, Desporto, Ciência e Tecnologia da
Assembleia Legislativa, a deputada Ana Affonso (PT) tampouco nega a
deficiência nos resultados até agora visíveis da Lei 10.639. Para a
deputada, “é difícil para o educador romper com a formação que recebeu
durante os anos de estudo, mas não é motivo para que não estejam aptos”.
Ana Affonso acredita que a discussão permanente sobre o tema pode
provocar transformações no que hoje se observa nas escolas: “o debate
sobre o assunto pode vencer a dificuldade ou a má vontade de quem quer
que seja”.
Para a deputada do Partido dos Trabalhadores, apesar da
necessidade de buscar uma melhor aplicação do que diz a lei, não se
pode deixar de lado o esforço já existente. “Precisamos de divulgação do
que vem sendo feito nas escolas, porque há avanços também, até para
mostrarmos ao movimento negro que o discurso de que nada está
acontecendo não é correto”, defende.
A audiência pública da última
terça-feira pode render encaminhamentos em breve sobre a questão, como a
criação de um pólo de formação acadêmica de formação continuada, a
fiscalização de conselhos estaduais e municipais sobre o que é feito nas
escolas e o agendamento de uma reunião de movimentos sociais com o
secretário de Educação do Rio Grande do Sul, José Clóvis de Azevedo.
Contexto político e ideológico
Onir
Araújo, advogado e membro do Movimento Negro Unificado (MNU),
problematiza o não cumprimento da lei de outra forma: para ele, trata-se
de uma reação previsível de quem busca manter a ordem dominante. “A não
aplicação da lei sinaliza o quão farto é o conteúdo racista da
sociedade, e demonstra uma inabilidade política enquanto sujeitos
históricos”, opina. Para o advogado, a presença de conteúdos
relacionados à história e à cultura afro-brasileira é uma demanda antiga
do movimento negro.
A origem desses anseios no Brasil, inclusive,
remontaria a oitenta anos atrás: “para o movimento negro, desde a
Frente Negra, nos anos 1930, a questão da história do nosso povo ser
contada no ensino é essencial para a integração do negro”. A aprovação
de uma lei como a 10.639 seria, no entanto, o “desaguadouro
institucional” do problema – que estaria muito longe de uma resolução
definitiva mesmo com o cumprimento ideal, já que transcende a presença
do tema no currículo escolar.
Para Onir Araújo, “a lei é
importante e necessária, mas é limitada, precisa ser vista dentro de um
contexto político e ideológico. Por exemplo, nunca foi organizado um
orçamento que garantisse que ela fosse cumprida. Assim, os governos
podem alegar que falta dinheiro, que não há verba”. Na mesma linha, ele
acredita que verdadeiros avanços no combate ao racismo no Brasil não
podem depender apenas da esfera institucional, e sim de efetiva
mobilização popular.
O militante do MNU acredita que “quando se
tenta abrir uma cunha nesta estrutura que é patriarcal, burguesa e
racista”, ocorre a reação dos que buscam manter “um status de 513 anos
de história”. O descumprimento da lei, que ocorre “em todos os estados
do Brasil”, seria tecnicamente um caso típico de mandado de injunção –
no caso, quando a Justiça ordena a aplicação de uma lei. Entretanto,
tampouco haveria boa vontade do Judiciário. “Apenas com o bloco na rua
isso não vai ser um diálogo de surdos”, resume Araújo.
O exemplo
utilizado pelo advogado para demonstrar que a lei, ainda que bem
executada, permanece sendo insuficiente, relaciona a não aplicação com
um histórico de violência constante: “a prova de que a lei não basta é
que 30 mil jovens negros são vítimas de homicídio por ano no Brasil, e
esse é um massacre invisível para muita gente. Não é só uma lei que vai
adiantar”. Está previsto ainda para o primeiro semestre de 2013, segundo
a deputada Ana Affonso, um seminário que busca mapear a aplicação da
lei 10.639 no Rio Grande do Sul.
(Foto: Marina Lovato / Agência ALRS)
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