Passados mais de 60 dias desde o início da polêmica gerada em torno
do livro “Caçadas de Pedrinho”, de Monteiro Lobato, que, segundo parecer
do Conselho Nacional de Educação (CNE) deve deixar de ser incluído no
Programa Nacional Biblioteca na Escola, do MEC, por conter estereótipos
racistas, o ministro da Educação, Fernando Haddad, (foto) ainda não
decidiu se homologará o parecer e o processo desapareceu do noticiário.
Por isso, o responsável pela denúncia - o técnico em gestão de
Educação, licenciado em Letras e Língua Portuguesa, Antonio Gomes da
Costa Neto - entrou com pedido de certidão no Conselho para saber em que
pé está o caso. “Como não houve uma posição formal do ministro entrei
com pedido de certidão”, afirmou. O prazo para que o Conselho se
manifeste termina na semana que vem.
Com a certidão em mãos, Costa Neto pedirá uma posição do Conselho,
inclusive porque a Lei do processo administrativo – a 9784/99 -,
estabelece prazos.
Segundo ele, os prazos não podem ser ignorados e não descarta a
possibilidade de entrar com representação pedindo a intervenção do
Ministério Público Federal, bem como a hipótese de recorrer à autoridade
hierarquicamente superior ao ministro, no caso a própria Presidente
Dilma Rousseff.
Com a homologação do MEC, o parecer passará a ter validade em todo o
país. “Caso contrário, será apenas uma norma sem eficácia plena. Os
Conselhos Estaduais de Educação não terão obrigação de cumpri-lo”,
acrescenta o autor da denúncia, que é branco, e acabou de ser aprovado
com louvor como Mestre em Ensino Religioso e as Religiões de Matriz
Africana no DF, pela Universidade de Brasília (UnB).
Afropress tentou contato com o ministro Fernando Haddad para falar sobre o caso, sem sucesso.
Lembrando o caso
No parecer da professora Nilma Lino Gomes, da Universidade Federal de
Minas Gerais (UFMG), aprovado por unanimidade, em outubro do ano
passado, a alternativa apontada para o caso do MEC continuar comprando o
livro, seria a inserção de uma Nota Explicativa pelas editoras, sobre o
período e o contexto histórico em que foi escrito.
As Notas, na verdade, já constam das edições mais recentes do livro,
porém, se referem apenas a questão do meio ambiente – quando lembram que
caçadas de onça não são mais permitidas - e às normas ortográficas. A
resistência, segundo Costa Neto só está ocorrendo em relação aos
estereótipos racistas.
Lobato, o maior nome da literatura infantil brasileira, era adepto da
Eugenia – a ideologia da higiene racial, criada por Francis Galton, que
resultou no nazismo implantado por Adolf Hitler, na Alemanha, na década
de 30, do século passado, responsável pela morte de mais de 6 milhões
de judeus, negros e ciganos.
Num trecho, a personagem Emília refere-se ao ataque de onças e
animais ferozes ao sítio: “Não vai escapar ninguém — nem Tia Nastácia,
que tem carne preta”. Em outro trecho, a personagem negra sobe num
mastro para fugir das onças. A cena é descrita assim por Monteiro
Lobato: “(...) Tia Nastácia, esquecida dos seus numerosos reumatismos,
trepou que nem uma macaca de carvão”.
Um ano depois da publicação do livro "Caçadas de Pedrinho", em 1.933,
entrou em vigor a Constituição de 1.934, que pregava a Educação
Eugênica. A Constituição brasileira de 1.988 considera racismo crime
inafiançável e imprescritível.
No início do mês de novembro, o ministro disse que pediria reexame do
parecer do CNE, porque não via racismo, porém, depois disso não tocou
mais no assunto, a polêmica perdeu força e o assunto saiu do noticiário.
É precisamente isso, o que Costa Neto quer evitar.
Contradição
O autor da denúncia lembrou que o Haddad é signatário do Plano
Nacional da Educação para Relações Raciais. “Foi na gestão dele que o
Plano entrou em vigor. A posição que manifestou está em desacordo com a
política pública do qual é signatário. Eu não acredito que não
homologue”, afirmou.
Ele disse querer acreditar que o ministro externou apenas uma posição
pessoal e é possível que nem tenha lido a íntegra do parecer do CNE.
Quanto a polêmica criada por setores da mídia, e até por grande nomes
da literatura brasileira, como João Ubaldo Ribeiro, imortais da
Academia Brasileira de Letras, e o presidente do Conselho Federal da
Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Ophir Cavalcante, que falam de
censura, Costa Neto diz ser incompreensível.
“Não se trata de censura alguma, mas de compreender o que é racismo e
antirracismo. O tempo em que o livro foi escrito era outro.
Estimulava-se uma Educação Eugênica. A Constituição de 88, diz que
racismo é crime", frisa.
Segundo ele, o efeito maior dos estereótipos com que Lobato se refere
aos negros é que “quando não trabalhados, deixa-se de ter uma política
antirracista e passa-se a ensinar racismo”. “Ninguém nasce racista.
Fomenta-se a cultura inferior. As crianças brancas são estimuladas a
praticar o bullying em sala de aula. Mas, não se trata de bullying é
racismo mesmo”, sublinhou.
O autor da denúncia também disse que a inserção da Nota Explicativa
não traria qualquer custo às editoras. “Em termos de mercado editorial,
vão se adaptar as normas de forma célere. Não há custo”, concluiu.
Fonte: Afropress