PROJETO A COR DA CULTURA 12ª REGIONAL DE ITABAIANA PARAIBA
HÁ 03 ANOS FAZENDO A DIFERENÇA
COORDENADOR REGIONAL
NIVALDO MIGUEL
Proclamado pela Unesco
em 1999, o propósito do Dia Mundial da Poesia é promover o ensino, a
leitura, a escrita e a sua publicação.
O
SAPO escolheu sete, dentre muitos que fazem parte desta lista poetas
que levaram a cultura angolana ao mundo. De António Jacinto a Alda Lara,
de Agostinho Neto a Geraldo Bessa Victor, de Ondjaki a João Tala e João
Maimona.
Carta dum Contratado
Eu queria escrever-te uma carta
amor,
uma carta que dissesse
deste anseio
de te ver
deste receio
de te perder
deste mais que bem querer que sinto
deste mal indefinido que me persegue
desta saudade a que vivo todo entregue...
Eu queria escrever-te uma carta
amor,
uma carta de confidências íntimas,
uma carta de lembranças de ti,
de ti
dos teus lábios vermelhos como tacula
dos teus cabelos negros como dilôa
dos teus olhos doces como macongue
dos teus seios duros como maboque
do teu andar de onça
e dos teus carinhos
que maiores não encontrei por aí...
Eu queria escrever-te uma carta
amor,
que recordasse nossos dias na capôpa
nossas noites perdidas no capim
que recordasse a sombra que nos caía dos jambos
o luar que se coava das palmeiras sem fim
que recordasse a loucura
da nossa paixão
e a amargura da nossa separação...
Eu queria escrever-te uma carta
amor,
que a não lesses sem suspirar
que a escondesses de papai Bombo
que a sonegasses a mamãe Kiesa
que a relesses sem a frieza
do esquecimento
uma carta que em todo o Kilombo
outra a ela não tivesse merecimento...
Eu queria escrever-te uma carta
amor,
uma carta que ta levasse o vento que passa
uma carta que os cajus e cafeeiros
que as hienas e palancas
que os jacarés e bagres
pudessem entender
para que se o vento a perdesse no caminho
os bichos e plantas
compadecidos de nosso pungente sofrer
de canto em canto
de lamento em lamento
de farfalhar em farfalhar
te levassem puras e quentes
as palavras ardentes
as palavras magoadas da minha carta
que eu queria escrever-te amor...
Eu queria escrever-te uma carta...
Mas, ah, meu amor, eu não sei compreender
por que é, por que é, por que é, meu bem
que tu não sabes ler
e eu - Oh! Desespero - não sei escrever também!
António Jacinto
Quitandeira
A quitanda.
Muito sol
e a quitandeira à sombra
da mulemba.
- Laranja, minha senhora,
laranjinha boa!
A luz brinca na cidade
o seu quente jogo
de claros e escuros
e a vida brinca
em corações aflitos
o jogo da cabra-cega.
A quitandeira
que vende fruta
vende-se.
- Minha senhora
laranja, laranjinha boa!
Compra laranja doces
compra-me também o amargo
desta tortura
da vida sem vida.
Compra-me a infância do espírito
este botão de rosa
que não abriu
princípio impelido ainda para um início.
Laranja, minha senhora!
Esgotaram-se os sorrisos
com que chorava
eu já não choro.
E aí vão as minhas esperanças
como foi o sangue dos meus filhos
amassado no pó das estradas
enterrado nas roças
e o meu suor
embebido nos fios de algodão
que me cobrem.
Como o esforço foi oferecido
à segurança das máquinas
à beleza das ruas asfaltadas
de prédios de vários andares
à comodidade de senhores ricos
à alegria dispersa por cidades
e eu
me fui confundindo
com os próprios problemas da existência.
Aí vão as laranjas
como eu me ofereci ao álcool
para me anestesiar
e me entreguei às religiões
para me insensibilizar
e me atordoei para viver.
Agostinho Neto
Testamento
À prostituta mais nova
Do bairro mais velho e escuro,
Deixo os meus brincos, lavrados
Em cristal, límpido e puro...
E àquela virgem esquecida
Rapariga sem ternura,
Sonhando algures uma lenda,
Deixo o meu vestido branco,
O meu vestido de noiva,
Todo tecido de renda...
Este meu rosário antigo
Ofereço-o àquele amigo
Que não acredita em Deus...
E os livros, rosários meus
Das contas de outro sofrer,
São para os homens humildes,
Que nunca souberam ler.
Quanto aos meus poemas loucos,
Esses, que são de dor
Sincera e desordenada...
Esses, que são de esperança,
Desesperada mas firme,
Deixo-os a ti, meu amor...
Para que, na paz da hora,
Em que a minha alma venha
Beijar de longe os teus olhos,
Vás por essa noite fora...
Com passos feitos de lua,
Oferecê-los às crianças
Que encontrares em cada rua...
Alda Lara
Lágrima gota lágrimas
lágrima
é uma sensação que escorrega.
mundo está seco de coisas e trans-sensações
assim a lágrima presta-se
a de ressequir o mundo.
porque:
mundo está duro;
mundo está pedinchar molhadezas
que só amor tem num bolso;
mundo está ainda grande e
tão pequenino já.
lágrima, afinal,
é uma carinhosa correção do mundo
e tem pontes com a amizade.
porque:
sinónimo sincero de amizade
é celebração.
assim mesmo, ela, húmida, bem húmida.
Ondjaki
Momento místico
ando a conversar com os ventos,
para que os ventos me contem, noite e dia,
histórias do quinjango e da rainha jinga.
e a voz dos ventos é uma eterna cantiga
(gritos épicos, líricos lamentos)
onde o meu verso escuta a voz da poesia.
converso com as chuvas e com os rios,
que contam a chorar contos da minha terra.
e é na chuva e no rio que meus olhos frios
descobrem o pranto ardente
onde a alegria se encerra
- e o meu verso encontra o ritmo fluente.
e converso com montes e nuvens – vultos vivos
de grandes negros mortos, tão livres, não cativos.
(aiué, quinjango, aiué!)
e na forma das nuvens e montes o meu verso,
tocado pela lenda e pela fé,
encontra a sua imagem e seu berço.
Bessa Victor
Colheitas Uterinas
Da paisagem testemunhei a prova de fogo.
o silencio material e a riqueza metafísica
na tua lavra, irmã, há colheitas uterinas:
uma nova viagem para que nos regressemos
nós mesmo na indiferença.
Liberdade sem medo, conta os dedos da
tua mão procriada, conta P’ra nação
nosso machado secreto canta pela raiz.
- tens essa noção de fogo em tua tabuada".
João Tala
Arte poética
Que erosão
no choque genésico das marés
de encontro às pedras habitadas.
Cai areia na areia.
Assim o gasto da palavra
limando os duros conformismos
libertando as verdades mais remotas
tão necessárias ao fruir dos gestos.
"Ó Angola meu berço do Infinito"
Ó Angola meu berço do Infinito
meu rio da aurora
minha fonte do crepúsculo
Aprendi a angolar
pelas terras obedientes de Maquela
(onde nasci)
pelas árvores negras de Samba-Caju
pelos jardins perdidos de Ndalatandu
pelos cajueiros ardentes de Catete
pelos caminhos sinuosos de Sambizanga
pelos eucaliptos das Cacilhas
Angolei contigo nas sendas do incêndio
onde os teus filhos comeram balas
e
regurgitaram sangue torturado
onde os teus filhos transformaram a epiderme
em cinzas
onde das lágrimas de crianças crucificadas
nasceram raças de cantos de vitória
raças de perfumes de alegria
E hoje pelos ruídos das armas
que ainda não se calaram pergunto-me:
Eras tu que subias montanhas de exploração?
que a miséria aterrorizava?
que a ignorância acompanhava?
que inventariavas os mortos
nos campos e aldeias arruinados
hoje reconstituídos nos escombros?
A resposta está no meu olhar
e
nos meus braços cheios de sentidos
(Angola meu fragmento de esperança)
deixai-me beber nas minha mãos
a esperança dos teus passos
nos caminhos de amanhã
e
na sombra d'árvore esplendorosa.
João Maimona
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