Relogio: Vocês e o Tempo

sexta-feira, 6 de setembro de 2013

TEXTOS DE REFLEXÃO PARA OS VISITANTES DO NOSSO BLOG

Surpreendente!
É assim que descrevo a experiência de uma semana vivida aqui dentro do meu coração, uma semana que marcou minha vida e reacendeu ainda mais minha fé. Fisicamente eu não estava lá, mas sentia-me tão próxima quanto aqueles milhões de pessoas que participaram da Jornada Mundial da Juventude 2013, no Rio de Janeiro.
A cidade maravilhosa que tanto já foi notícia por causa de violência, mortes, tráfico, chamou atenção por transformar-se num cenário santo, recebendo um mar de gente, em sua maioria jovens que, unidos pela fé, entoaram orações e cânticos em louvor a Deus, pedindo a intercessão da Virgem Mãe. Era lindo e emocionante de se ver!
A visita mais esperada era do nosso querido pontífice, eleito em março deste ano, e que faria sua primeira visita internacional. Quanta honra para o Brasil! Ainda mais nesse tempo de tristeza, revolta e descrença...
Aí, claro, há quem se pergunte? Por que “quanta honra” se ele é um homem como qualquer outro?
Sim, é exatamente isso que ele é e demonstra ser por meio de atitudes. Um homem simples! No entanto, não um simples homem.
Eu arriscaria dar a ele algumas qualidades sem receio de ser excessiva. Alegre, carismático, cativante, aberto, despojado, de espírito livre, constantemente bem-disposto, verdadeiro, sensível, humano... Francisco, o papa argentino, jesuíta e de coração franciscano, ofereceu um sopro de esperança à Igreja. Seu discurso coerente o torna implacável e tão amável quanto um pai que só quer o bem de seu filho.
Quanta gente precisava daquela palavra pra sentir sua fé mais fortalecida...
Quanta gente precisava ser tocada para acreditar que Cristo estava ali se manifestando...
Quanta gente precisava ouvir uma frase que a fizesse não desanimar do futuro...
Quanto bem, em tão pouco tempo, fez este homem a milhares de crianças, jovens, homens e mulheres, e idosos...
A semana foi tão abençoada e tão contagiante, que as redes sociais bombaram! Pessoas de várias partes do mundo seguiram e compartilharam a JMJ-Rio 2013 e o propósito, as ideias e a postura do Papa Francisco.
É claro que houve aqueles que, de forma desprezível, criticaram o evento, o Papa e tudo aquilo que acontecia no Rio de Janeiro, mas eles ficaram apagados diante de tamanha graça. Chegou um momento em que se calaram. Foram ofuscados pela sacralidade de milhões; eu achei bom!  
Criticar impiedosamente o Vaticano, o Papa, a Igreja Católica, a JMJ... Não! Não cabia no momento. Não havia espaço, pois Deus estava ali, e a multidão reunida em seu nome.
O Papa não veio ao Brasil para impor o catolicismo. Trouxe com ele e mostra ao mundo uma proposta de unidade, fraternidade, amor ao irmão. Ele se inclui quando fala da Igreja e reconhece que é preciso partir em direção ao mundo e para as “periferias existenciais”. Defende a proximidade do povo, o diálogo construtivo e o respeito aos jovens e idosos, o servir, o ser solidário, especialmente os menos favorecidos, que precisam de cuidado e afeto.
Criticou de forma precisa e inteligente a cultura do consumismo, do provisório, da desumanização que afeta os jovens. Dirigiu-lhes belas palavras de esperança. Intimou-os a serem revolucionários, missionários destemidos a partilharem e testemunharem o Evangelho, a manterem acesa a chama da fé, afinal, a Igreja necessita do entusiasmo, da criatividade e da alegria, características próprias da juventude.
Que bom seria encontrar mais Franciscos como ele... O mundo está CA – REN – TE de Franciscos assim – católicos ou não – de coração aberto, atentos, humildes, ternos, capazes de arrebanharem o povo para Deus, que toquem e se permitam ser tocados, que ofereçam a mão em benefício do próximo, que convidem o povo a se despojar do provisório e fugaz em busca do que vale a pena, da essência, que alimentem nas pessoas o espírito de fraternidade e solidariedade, pastores que direcionem o rebanho que precisa “conservar a esperança”, “deixar-se surpreender por Deus” e “viver na alegria”..  
Francisco ressalta que Deus caminha ao nosso lado, nos surpreendendo sempre com sua força e amor maior, ainda que, por vezes, estejamos descrentes. Devemos, constantemente, “botar fé”, “botar esperança”, “botar amor e Cristo” em nossa vida a partir da vivência da Palavra. É só assim que sentiremos “um novo sabor”, que nossos dias serão “iluminados”, que nossa existência será como “uma casa construída sobre a rocha” e nós veremos as asas da esperança crescerem “para percorrer com alegria o caminho do futuro”.
Como carecia que ouvíssemos isso... E foi dito, da forma mais simples e profunda.
E quanto a uma Igreja perfeita... Não, não há perfeição na Igreja Católica, como em nenhuma outra. Não foi essa a mensagem que Papa Francisco tentou passar em suas admiráveis mensagens na JMJ.
Ele quer mudanças, sim! Cobra postura mais ética e moral do clero e já trabalha nos preparativos para o início de uma reforma na Cúria. É a favor de uma igreja aberta e atenta aos fieis. Vamos, então, continuar acreditando e rezando por ele, como pediu.
Pratiquemos também o respeito ao próximo e à sua opção religiosa, às suas ideias. Despojemo-nos do nosso preconceito. Deus é unidade, ama a todos e só Ele é soberano.
Que, em unidade, tenhamos, em Cristo, nossos corações dispostos a amar.


Microconto: O SONHO

 
 
 
É madrugada. Na melhor parte do sonho, Cecília é interrompida. Inconformada, mastiga o último pedaço, lambe seus dedos doces de creme e, cabisbaixa, volta para a cama.

SILÊNCIO


Quando não se encontram respostas para os questionamentos da vida,

o melhor a fazer é refletirmos imersos no silêncio.

O silêncio que vale tanto quanto as palavras.


TODO HOMEM É UM DIAMANTE

 
Nós sabemos que o diamante é uma pedra extremamente delicada, bela e de significativo valor. Para chegar àquilo que vemos – muitas vezes apenas pela vitrine de joalherias – ele precisa ser lapidado. E aquela talha bem feita é o que traz toda protuberância de seu foco. Quanto mais bem feito o entalhe da pedra, mais admirável é o resultado. Posto sob a luz, o diamante – antes bruto –, produz um conjunto de reflexos e, mesmo ausente de cor, parece então multicolorido. O artista é paciente. Lapidar um diamante pode levar dias, meses, anos... Ele estuda a pedra: seu tamanho, peso, forma... Demarca o objeto, mede, aprecia por outro ângulo. Suas raras mãos anseiam trazer aos olhos o brilho escondido no interior daquela pedra rude. Cuidadoso, dia após dia, o lapidador trabalha fielmente até o resultado por ele esperado. A simetria é precisa, o polimento fino e as facetas estão em conjunção umas com as outras, jogando entre si luzes, presenteando seus olhos. Ele fica orgulhoso.
O ser humano é igualmente uma pedra de extrema delicadeza, bela e de significativo valor. Mas, para chegar àquilo que é ou tenta ser a cada dia, precisa ser lapidado, como os diamantes. A diferença é que o homem tem a oportunidade de ser seu próprio artista. Seu processo de melhoria, de pedra bruta para pedra preciosa, depende do que faz, do que busca ser continuamente, para si e para o próximo.
O trabalho é ininterrupto e demanda calma, determinação, sabedoria e muito amor. O primeiro passo para quem ainda não iniciou a própria lapidagem é apenas a pré-disposição para querer ser melhor.
Como artífice, pode também estudar seu interior: traçar metas, rever suas atitudes, se esforçar, se organizar, questionar-se... Tudo para que seu entalhe saia perfeito e ele alcance com sucesso o desejo de seu coração: o de ser uma pessoa diferente. Uma pessoa pura, de luz.
O diamante tosco sofre as pancadas do entalhe. É a arte operando sobre ele. A vida também sacrifica às vezes. É o aprimoramento da alma, da essência humana. Quanto mais exata a batida, mais valiosa será a pedra.
Somos assim. Diamantes pela valia e pela força, pela resistência. Pedra mais preciosa que esconde atrás da grosseira aparência um brilho peculiar disfarçado. Pedra que precisa ser minuciosamente trabalhada para mostrar os mais belos atributos encobertos no âmago, sob ásperas camadas adquiridas ao longo dos anos.
No homem, este brilho almejado é o que se converte naturalmente em gestos de amor. É o brilho de intensa e irradiante luz capaz de iluminar outros homens. Brilho da verdadeira e mais rara joia.
 

OLHOS QUE VEEM, OLHOS QUE ENXERGAM

 Segunda-feira de trânsito caótico no centro da vizinha Ribeirão Preto, interior de São Paulo.
A pé, corro como todas as outras pessoas. Sem entender a necessidade daquilo, vivendo uma loucura escravizante, própria do homem pós-moderno.
De repente, puxo meu freio e penso, convicta:
- Não!!! Eu não sou assim! Eu não tenho pressa. Quero saborear o presente, sem desperdiçar minha vida.
Foi nesse mesmo minuto em que vi um jovem casal e uma criança. Os três de mãos dadas. Sorrisos em sintonia. Simples.
Eu posicionava-me do lado oposto da rua. Aguardava o sinal verde pra prosseguir mais lentamente agora.
A cena fisgou minha atenção. O menino era a cara da mãe. O casal, cego. Ele de óculos escuros, na mão direita uma bengala de metal. Ela, no auge dos aparentes 35, cabelos longos, saia de cintura alta, esbelta. A expressão facial a diferenciava de todos os deficientes visuais que já vi. A criança, de não mais que 10 anos, era o guia.
O semáforo abriu e eu fiquei imóvel. Só consegui acompanhar a travessia dos três.
Aproximaram-se de mim. Olhei para o garoto. Ele me sorriu um bom dia cheio de ternura.
Quase desmontei! Respondi ao cumprimento; meu coração inflou-se de contentamento.
Agarrado no braço da mãe, e esta no do pai, os três seguiram. Virei-me e, com o olhar, esperei que dobrassem à direita na esquina seguinte.
Uma luz fulgurante imitava aqueles passos. Era bonito de se ver. O menino falava, gesticulava, cuidava para que os pais não tropeçassem. O casal ria alto, despreocupado.
Ao meu redor, os transeuntes continuavam sua corrida contra o tempo. Aquele grandioso espetáculo da vida passou despercebido. Lamentei.
Uma das cenas mais emocionantes que já pude presenciar. A alegria daquelas pessoas simples era contagiante. E não eram simples pessoas.
Aguardando para atravessar a rua, eu implorava o perdão divino, envergonhada por ora reclamar de um grau e meio de miopia.
A inocência de riso terno era dona de uma capacidade admirável de ser, além dos próprios olhos, os olhos dos pais. Dona da capacidade de ser humana, de ser solidária e, indiscutivelmente, feliz.
Vivi instantes de profunda reflexão. Minutos que me fizeram, naquela segunda-feira, pegar uma agenda e rascunhar minha impressão, pouco tempo depois. Minutos que ficaram eternizados aqui, dentro de mim.
Precisamos ter olhos que veem e que enxergam. A beleza da vida está atravessando na nossa frente e não estamos enxergando! Nossa alma e nosso coração estão cegos. A gente corre, enlouquece, cansa... Quando chegar a hora de ir embora, talvez seja tarde pra choro ou arrependimento.


VOLTA ÀS AULAS

Volta às aulas na minha época – não tão remota – era bem instigante.
Passada a primeira semana do novo ano, eu corria lá na escola pra ver se a secretaria poderia informar o dia do início do ano letivo. O retorno era marcado por uma ansiedade prazerosa. Posso sentir o sabor daquela espera.
Muito aguardado era igualmente o dia de sair pra comprar material escolar. Lá em casa, tudo era multiplicado por três, e só meu pai trabalhava. Criou ali, desde cedo, uma doutrina. Carecia que fôssemos, meus irmão e eu, sempre compreensíveis.
Semanas antes do início das aulas, minha mãe escolhia um dia, e, então, íamos à vizinha Ribeirão Preto, de ônibus, pra comprar aquilo que serviria para ano todo. Cadernos eram aqueles diários, brochuras, que continham o hino nacional atrás. As capas não estampavam cantores, atores ou bandas famosas, mas se tornariam as mais bonitas depois de envolvidas no papel plástico xadrezinho de azul ou vermelho. Lápis de cores eram dos bons, pra durar o ano todo. O estojo era de madeira; confeccionado pelo meu pai. Envernizado e com repartição pra borracha, lápis preto e lápis de cores, era cobiçado porque abrigava até o tubinho de cola branca. A tesoura vermelha era a do tempo do maternal, com meu nome gravado.  Até hoje eu a guardo com carinho.
Dias antes de voltar pra escola, minha mãe e eu sentávamos junto da mesa da cozinha pra aprontar o material: encapar os cadernos e colocar o nome nos objetos. Eu admirava o jeito amoroso com que ela transformava os cadernos mais simples nos mais belos e contempláveis. A primeira folha ganhava uma dobradura que, em seguida, seria presenteada com uma ilustração, feita também por ela, minha melhor desenhista. No caderno de Língua Portuguesa, traçava uma bonequinha. No de Matemática, um patinho. No de ciências, um lago rodeado por flores mínimas. Não necessariamente nessa ordem. Eram exclusivos os meus cadernos. Os desenhos eram os mesmos que ela esboçava nas fraldas de pano que pintava à mão quando eu era bebê. Eu os contornava delicadamente com os lápis novos, depois coloria e apreciava com orgulho.
Com tudo pronto, eu arrumava na mochila do ano anterior. Ali começava a espera pelo grande dia.
O organizar era feito com muita ternura, capricho e muito amor. Atividade que demandava um tempo tido como precioso. O encapar os cadernos, o lascar o lápis pra escrever o nome na madeira, a fita crepe com o nome e a série... Não! Minha mãe não reclamava por ter de exercer essa tarefa.
O tempo de preparar o material escolar tornava a espera para o dia de voltar às aulas ainda mais significativa. A expectativa para o meu momento feliz me dava mais vida e me alegrava.
Chegada, então, a aguardada segunda-feira, o reencontro com os amigos, com professores e funcionários da escola era marcado por muitos sorrisos de felicidade e abraços sinceros.
Foram momentos abundantemente felizes... Momentos que hoje visitaram minha memória.
Aquele preparar com amor me ensinou a enxergar beleza na simplicidade. A espera permitiu que eu percebesse detalhes mínimos que fazem diferença na minha vida até agora, mais de duas décadas depois.

SONHADO CARTÃO DE CRÉDITO

Trrrrim! Trrrrimmmm!
Ela corre para atender. No identificador de chamadas um DDD 012.
Jurando ser o irmão de Taubaté, responde:
- Alô?!
- Alô! Com quem eu falo?
Era uma voz feminina sorridente.
- Com quem você gostaria de falar?
Detestável ouvir isso, mas adorável de se falar.
- Com a Sra. Antonieta Sá - diz a voz.
- Diga! Antonieta Sá sou eu - exclama a senhora.
- Olá! Boa tarde! Tudo bem, senhora Antonieta?
- Estou bem! Pode dizer...
Nessa hora, ela já imaginava ser uma dessas mocinhas do telemarketing.
- Meu nome é Amanda, sou da central de cartões do Banco Stolen Goods. Informo que para sua segurança esta ligação está sendo gravada, tudo bem?
- Sim!
- Senhora Antonieta, minha ligação é para informá-la de que a senhora foi selecionada entre vários clientes devido ao seu bom relacionamento de mercado e por isso estará recebendo em sua casa um cartão de crédito, do qual não terá que pagar anuidade. A senhora é casada?
- Sim!
- Além de todas as vantagens, a senhora terá 200 dias para começar a pagar, a possibilidade de parcelar sua dívida em até 20 vezes, sem juros, e ainda ganhará um outro cartão para seu esposo. A senhora tem filhos?
- Sim!
- Além de seu cartão e de seu marido, a senhora terá direito a...
- Mocinha, desculpe! Já me ligaram na semana passada. Eu não tenho interesse em receber estes cartões.
E, insistentemente, a atendente continua:
- Mas, senhora, é gratuito....
- Não, moça, você não está entendendo. Não quero nada de graça. Eu adoro dever. Quando eu posso, também amo pagar.
- Mas, senhora...
- Mas... o quê? Você é surda, querida? Você está alugando minha linha telefônica. Você me pagará por isso?
Neste momento, Dona Antonieta fez a ligação cair. Tu tu tu tu tu tu...
Três dias depois:
Trrrrim! Trrrrimmmm!
Ela corre para atender. No identificador de chamadas, novamente o DDD 012.
Desta vez só poderia ser o irmão de Taubaté.
- Alô?!
- Alô! Com quem eu falo? - uma voz feminina sorridente.
- Antonieta Sá!
- Boa tarde, Sra. Antonieta. Meu nome é Amanda, sou da central de cartões do Banco Stolen Goods. Informo que para sua segurança esta ligação está sendo gravada, tudo bem?
- Sim!
- Senhora Antonieta, minha ligação é para informá-la de que a senhora foi selecionada entre vários clientes devido ao seu bom relacionamento de mercado e por isso estará recebendo em sua casa um cartão de crédito, do qual não terá que pagar anuidade. A senhora é casada?
- Não!
- Além de todas as vantagens, a senhora terá 200 dias para começar a pagar, a possibilidade de parcelar sua dívida em até 20 vezes, sem juros, e ainda ganha um outro cartão para seu esposo. A senhora tem filhos?
- Meu bem, eu disse que não sou casada. Também não tenho filhos.
- Ah, sim, Sra. Antonieta. Desculpe-me.
- A senhora confirma o endereço para enviarmos o cartão? Lembrando que é totalmente gratuito.
- Claro! Meu endereço é Rua das Oliveiras, 134, Vila Mathias, em Santos. O CEP é 11015-530. Estava até sonhando com uma oportunidade dessas, meu bem. Na loteria não ganho mesmo... Quando chega meu cartão?
- Dentro de 5 dias úteis, senhora.
- Nossa, menina, estou ansiosa. Com todas as vantagens, sem anuidade. Tudo o que eu precisava. Estou com uma dívida de 100 mil com o Banco concorrente, 700 reais na farmácia. Tenho um empréstimo de 24 mil pra acabar de quitar. Esse cartão de crédito chegou numa boa hora. Você salvou minha vida.
Desconcertada, a moça esqueceu-se até de se despedir com aquele previsível: "Obrigada, senhora! O Banco Stolen Goods agradece sua atenção. Tenha uma boa tarde."



CARTAS AOS ANOS VELHO E NOVO

2012,

Você foi um ano bom, apesar de todos os percalços. Entendo que esta é a regra da vida. Alegria e tristeza se misturam para que saibamos valorizar todos os momentos, conhecer dores e delícias de sermos quem somos. Esses sentimentos coexistem, simplesmente! Mas eu não vou perder meu tempo aqui pra fazer retrospectiva na minha vida. O que está feito, está bem feito! Errei e acertei. Chorei e sorri – sorri mais, com certeza, por mera opção!
Não gostaria de ter chorado perdas de pessoas tão queridas; prefiro acreditar que careciam do repouso dessa existência terrena. A certeza da vida eterna me conforta e me ajuda a suavizar a dor de quem me rodeia. Não gostaria de ter assistido a tantas tragédias. Não gostaria de ter visto tanta injustiça sem ter a força necessária pra mudar.
Esse negócio de ficar relembrando o que ocorreu desde o início do ano me aborrece porque o ruim sempre marca mais. Ficar se martirizando por causa de planos que se deixou de cumprir também não faz crescer. Escolho, então, receber o ciclo que agora (re)começa desejosa de fazer ou, pelo menos, tentar fazer o que ainda não consegui por força das circunstâncias.
Despeço-me de você, ano velho, grata a Deus pela minha saúde, pelo dom da minha vida e da vida dos meus familiares e amigos.
Grata por Ele ter-me oferecido a oportunidade de ter sido mais paciente (mesmo quando tive vontade de esganar um), de ter tido coragem de falar o que penso, ter conseguido ser bem mais racional diante de algumas situações, por ter tido a chance de falar umas verdades a quem mereceu e ter permitido que eu tentasse ser um ser humano melhor.
Agradeço também por ter-me sido concedida a graça de crescer espiritualmente, de ter mais sabedoria, de continuar enxergando beleza na simplicidade, de saber valorizar as coisas e as pessoas certas, de fortalecer minha fé e de ser sempre pavio esperando luz...
Obrigada, 2012!

==xx==

2013,
Em você, não vou economizar minha vida.
Já estou plantando sementes para que elas floresçam. Já estou ansiando tocar docemente a noite para que ela se torne dia. Já estou em harmonia com meu íntimo. Quero viver-te intensamente!
Espero que, habitando os seus dias, as pessoas não se atropelem, não se magoem. Que sejam mais centradas, tenham discernimento, e saibam agir racionalmente quando necessário, aproveitando o resto do tempo para esbanjar a emoção.
Dentro de algumas horas, estaremos vivendo os seus dias. Os sentimentos se entrelaçam de tal forma, que meu coração, sempre risonho, se rejubila ao saber que em breve estará acolhido em seus braços. Estou de peito aberto e puro para te receber.
Neste momento, renovo minhas expectativas e, farta da presença de Deus, estou disposta a encarar o que vem aí.
Sei que a vida apresentará as desventuras. Viver dá um certo trabalho! É um desafio constante. Mas estou pronta! Sempre! Pronta pra amar generosamente... Porque eu creio na força avassaladora do amor.
Meu compromisso de ser feliz está revigorado. Tenho desejos, sim, mas não planos a longos prazos. O dia mais feliz da minha vida pode ser hoje...
Quero continuar vivendo sendo o que sou, desprezando o que almejam que eu seja.
Quero dar ainda mais valor à poética de simples encontros, não antecipando futuros.
Quero ansiar o brilho do sol depois de dias chuvosos.
Quero esperar a vida florejar a seu tempo.
Quero prosseguir “roubando” existências ao meu redor e trazendo-as para dentro dos meus textos de forma a emocionar, a fazer rir, a refletir.
2013, seja bem vindo! Estou torcendo para que não haja brevidade no brilho dos fogos de artifício que comemorarão sua chegada.

FIM DO MUNDO?


Hoje pediram minha opinião sobre o possível fim do mundo.
É... A tal a data marcada por um homem qualquer para o grande acontecimento: o fim dos tempos.

Brevemente respondi que, para alguns, o mundo já acabou.
Acabou, sim,
para aqueles que deixaram de amar,
para aqueles que deixaram de sorrir,
para aqueles que deixaram de acreditar,
para aqueles que deixaram de sentir,
para aqueles que deixaram de ser.
Acabou, também,
para os que engavetaram seus valores,
para os que zombaram quando o outro caiu na calçada,
para os que sofreram com o sucesso alheio,
para os que suprimiram o anjo que havia dentro de si,
para os que viveram falsamente.
Para mim?
Não!
O mundo jamais acabará para mim, dentro de mim.
Eu ainda vejo beleza no vento acariciando as folhas.
Eu ainda me delicio com o calor do sol e o frescor da chuva.
Eu ainda me encanto com a festa das estrelas preparada pela Lua.
Eu ainda rio de mim mesma.
Eu ainda fico feliz quando o outro me chama pelo nome.
Eu ainda valorizo a natureza e o ser humano.
Eu ainda amo e recebo Deus todos os dias.
Eu ainda acredito que essa história de fim de mundo não passa de uma estória.

DJs DO COLETIVO



Ônibus lotado. Sexta-feira. Calor de 39 em dia de primavera. Rostos cansados de um fim de tarde. Variadas fragrâncias de suor.
Estou ansiosa para chegar em casa depois de um exaustivo dia de trabalho. O sono intenso atrapalha minha leitura. É nessa hora em que, no coletivo, adentram dois rapazes com suas bermudas quase calças, suas camisetas quase vestidos e correntes douradas que serviriam muito bem pra fechar meu portão junto de um cadeado médio.
Despertei!
Eles pararam em pé bem ao meu lado. Continuei com os olhos cravados no livro, mas a concentração já havia se perdido em quilômetros anteriores do meu trajeto intermunicipal.
Minha atenção se volta aos movimentos dos jovens. Guardo minha leitura. Cada um retira do bolso um aparelho celular (última geração, claro), selecionam a música da preferência e colocam todos do ônibus para curtir. Um rap, do qual não se entendia uma palavra, e um funk, igual a todos os outros. No último volume, os ritmos se associam e se misturam ao som da rádio FM escolhida pelo motorista, às gargalhadas de alguns passageiros e ao silêncio de outros.
Ao redor, percebo pessoas incomodadas. Umas comentam, outras xingam, enquanto eles, felizes, cantam, parecendo fazerem parte de um universo particular.
Ao meu lado, uma moça pensa alto:
- É brincadeira!
Em poucos segundos, obviamente tomada por uma grande revolta, ela extrai da bolsa seu aparelho celular e escolhe, também, a música de sua preferência: um axé. Aumenta o volume e ri alto, vingativa. Contida, ainda balança os ombros ao som do swing baiano.
Permaneço observando a cena. Pauso para reflexão.
 
Facilmente, aquele espetáculo configuraria um episódio de qualquer programa de humor.
Tive a certeza de que a popularização e modernização dos aparelhinhos de comunicação retiraram de muitos a noção de etiqueta. Se é que sabem o que é isso...
Bom senso? O que é isso mesmo? Não... Não sabem o que é. Ou, duas últimas possibilidades: não foram apresentados aos fones de ouvido ou ainda não tiveram dinheiro para adquiri-los.
 
A essa altura, o coletivo fervia. Eu, disfarçadamente, ria. Afinal, eu estava diante de Djs, sem pagar nada. Meu estresse não resolveria aquela comicidade. Preferi ser feliz, esperar a hora de puxar a cordinha para descer no meu ponto e, claro, compartilhar minha impressão.

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