Relogio: Vocês e o Tempo

quinta-feira, 11 de julho de 2013

CONTEÚDO A COR DA CULTURA

Diversão

Educação, diversão e preconceito. Para discutir estes três temas essenciais na vida de qualquer um, foram convidados quatro jovens negros residentes em cidades distintas: Jaciara dos Santos é natural de Recife, Adriana Nascimento, de Diadema, Marcelo Lopes, mais conhecido como MC Tam, do Rio de Janeiro e Marcelo Cruz, vive em Florianópolis. Além de serem negros, eles têm em comum o fato de realizar trabalhos sociais nas comunidades onde moram.
Belém é o ponto de partida desta reportagem. A equipe de filmagens registrou o que a juventude negra, que vive na periferia da capital, inventa para se divertir. “Vamos começar pelo break que movimenta o centro da cidade, em frente ao mercado de São Brás”, localiza o agente de saúde Marcos Souza. O primeiro a dar entrevista é o rapaz Ismael Rodrigues, que atende pelo apelido de B. Boy Will. Para ele “o break serve para unir o preto ao branco. Quando um B. Boy branco vem aqui treinar com a gente é como se ele estivesse pedindo perdão pelo que os ancestrais deles fizeram com os nossos no passado”, filosofa.
Entre escovas e tranças caprichadas, a pesquisadora Leda Souza confessa: “Quando a gente vai num salão de beleza comum, a primeira coisa que o profissional fala quando olha nosso cabelo é ‘ah, vamos alisar!’. Aqui não. Você chega e eles valorizam a sua identidade negra”. Há outras maneiras de enaltecer a cultura negra, como, por exemplo, através da black music. As carrapetas do DJ Morcegão, pseudônimo de Gilmar Cardoso, não nos deixa mentir. “Tocamos do rap ao reggae, da black music ao funk, tá ligado? E toda essa mistura de black contagia muito a rapaziada”.
Nilma Bentes, do Centro de Defesa do Negro, explica que é “em torno da cultura, ou seja, do hip hop, do pagode, da capoeira que a juventude negra tem se organizado para aumentar a auto-estima e as possibilidades de ingresso no mercado de trabalho”. Marcelo Cruz reforça o coro: “Tem que ter apoio familiar para a pessoa querer fazer algo, como um esporte, e não ficar acomodado em casa à toa. Todos sem estímulo que conheço hoje estão no mundo do crime”.
No estúdio do programa, MC Tam compara as opções de lazer de Belém com a programação do Rio de Janeiro. “Lá onde eu moro é a mesma coisa. Para se divertir a gente tem que criar. Lá não tem computador nem vídeo game. Muitas crianças não têm bicicleta, muitas pessoas não tem nem onde morar direito”. As professoras de dança Jaciara dos Santos e Adriana Nascimento traçam um paralelo com os ambientes que lhes são familiares.
“Em Recife também não é diferente. Nós, os negros, temos procurado muito esse resgate das nossas raízes”, diz Jaciara. “Em Diadema, acontece uma festa de hip hop uma vez por mês. Assim, esses adolescentes ganham um lugar para mostrar o que eles treinaram. Antes, o hip hop ficava restrito às ruas. Agora foi valorizado e já chegou nos centros culturais”, comemora Adriana.
Estar associado à cultura afro é sinal de modernidade. “Hoje em dia os jovens freqüentam os lugares negros. Não tem mais aquela vergonha de estar onde o hip hop, o afoxé, a capoeira acontecem”, avalia Jaciara. Tem uma coisa que incomoda muito o estudante Marcelo Cruz. Ele reclama que, nas aulas de História, só estuda sobre Roma e outros países europeus. Da África, só Zumbi e escravidão. A um passo de ingressar na faculdade admite que “nunca ouvi falar sobre cotas de negros na sala de aula e na TV vejo pouco”.
Música como profissão
Enquanto isso, no Maranhão e no Espírito Santo, há jovens decididos a abraçar a música como profissão. Daniel, por exemplo, deixou o interior do Espírito Santo em busca de um sonho na metrópole. “Sempre quis fazer faculdade de música, mas eu não sabia como. Meu pai é semi-analfabeto e minha mãe acabou de fazer o segundo grau agora, num supletivo. Eu tenho que vencer”. Ele mora sozinho num pequeno quarto no centro de Vitória e conseguiu uma vaga na faculdade de música do Espírito Santo.
Daniel faz parte do coral afro no Museu do Negro, referência para a garotada da cidade. Já Mayara, também integrante do grupo, carrega uma história diferente. “Na verdade, eu tive muitas oportunidades, meu pai sempre lutou muito para dar o melhor para minha família”, ressalta a moça. Como estudante de administração, Mayara conseguiu estágio numa grande empresa da cidade. Por enquanto está ótimo assim, mas ela revelou que cursará em breve uma faculdade de canto lírico.
Em São Luiz do Maranhão, os alunos fabricam instrumentos e testam planos para o futuro. Cerca de 90 jovens participam do projeto ‘Sonho dos Erês’, oferecido pelo Centro de Cultura Negra do Maranhão, em parceria com a iniciativa privada. “A idéia é que todo produto comercializado seja revertido em renda para os alunos e para a compra de matéria-prima do projeto. Eles ouvem reclamações diárias dos pais porque já completaram dezoito anos e ainda não ganham o suficiente para o seu sustento”, explica a coordenadora Carmen Lúcia.
De acordo com o instrutor de grafite Emerson Melo, “essa perspectiva de trabalho a gente dá através de fachadas de lojas, decoração de festas e painéis para shows”. A diretor do Centro de Cultura Negra resume “Trabalhamos com o fortalecimento da auto-estima de crianças e adolescentes negros, a fim de construir uma outra realidade social para essas pessoas”. O próprio MC Tam serve de exemplo do que a música pode fazer com uma vida. “Graças ao funk eu conquistei tudo que quis. Eu, que moro numa comunidade, tô viajando para um montão de lugar. Graças ao funk não passo mais necessidade”.

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