Relogio: Vocês e o Tempo

quarta-feira, 31 de julho de 2013

Os poemas escolhidos para o Dia Mundial da Poesia

PROJETO A COR DA CULTURA 12ª REGIONAL DE ITABAIANA PARAIBA

 HÁ 03 ANOS FAZENDO A DIFERENÇA 

COORDENADOR REGIONAL

NIVALDO MIGUEL 

Proclamado pela Unesco em 1999, o propósito do Dia Mundial da Poesia é promover o ensino, a leitura, a escrita e a sua publicação.


O SAPO escolheu sete, dentre muitos que fazem parte desta lista poetas que levaram a cultura angolana ao mundo. De António Jacinto a Alda Lara, de Agostinho Neto a Geraldo Bessa Victor, de Ondjaki a João Tala e João Maimona.

Carta dum Contratado

Eu queria escrever-te uma carta

amor,

uma carta que dissesse

deste anseio

de te ver

deste receio

de te perder

deste mais que bem querer que sinto

deste mal indefinido que me persegue

desta saudade a que vivo todo entregue...

Eu queria escrever-te uma carta

amor,

uma carta de confidências íntimas,

uma carta de lembranças de ti,

de ti

dos teus lábios vermelhos como tacula

dos teus cabelos negros como dilôa

dos teus olhos doces como macongue

dos teus seios duros como maboque

do teu andar de onça

e dos teus carinhos

que maiores não encontrei por aí...

Eu queria escrever-te uma carta

amor,

que recordasse nossos dias na capôpa

nossas noites perdidas no capim

que recordasse a sombra que nos caía dos jambos

o luar que se coava das palmeiras sem fim

que recordasse a loucura

da nossa paixão
e a amargura da nossa separação...

Eu queria escrever-te uma carta

amor,

que a não lesses sem suspirar

que a escondesses de papai Bombo

que a sonegasses a mamãe Kiesa

que a relesses sem a frieza

do esquecimento

uma carta que em todo o Kilombo

outra a ela não tivesse merecimento...

Eu queria escrever-te uma carta

amor,

uma carta que ta levasse o vento que passa

uma carta que os cajus e cafeeiros

que as hienas e palancas

que os jacarés e bagres

pudessem entender

para que se o vento a perdesse no caminho

os bichos e plantas

compadecidos de nosso pungente sofrer

de canto em canto

de lamento em lamento

de farfalhar em farfalhar

te levassem puras e quentes

as palavras ardentes

as palavras magoadas da minha carta

que eu queria escrever-te amor...
Eu queria escrever-te uma carta...
Mas, ah, meu amor, eu não sei compreender

por que é, por que é, por que é, meu bem

que tu não sabes ler

e eu - Oh! Desespero - não sei escrever também!

António Jacinto

Quitandeira

A quitanda.

Muito sol

e a quitandeira à sombra

da mulemba.

- Laranja, minha senhora,

laranjinha boa!

A luz brinca na cidade

o seu quente jogo

de claros e escuros

e a vida brinca

em corações aflitos

o jogo da cabra-cega.

A quitandeira

que vende fruta

vende-se.

- Minha senhora

laranja, laranjinha boa!

Compra laranja doces

compra-me também o amargo

desta tortura

da vida sem vida.

Compra-me a infância do espírito

este botão de rosa

que não abriu

princípio impelido ainda para um início.

Laranja, minha senhora!

Esgotaram-se os sorrisos

com que chorava

eu já não choro.

E aí vão as minhas esperanças

como foi o sangue dos meus filhos

amassado no pó das estradas

enterrado nas roças

e o meu suor

embebido nos fios de algodão

que me cobrem.

Como o esforço foi oferecido

à segurança das máquinas

à beleza das ruas asfaltadas

de prédios de vários andares

à comodidade de senhores ricos

à alegria dispersa por cidades

e eu

me fui confundindo

com os próprios problemas da existência.

Aí vão as laranjas

como eu me ofereci ao álcool

para me anestesiar

e me entreguei às religiões

para me insensibilizar

e me atordoei para viver.

Agostinho Neto

Testamento

À prostituta mais nova

Do bairro mais velho e escuro,

Deixo os meus brincos, lavrados

Em cristal, límpido e puro...

E àquela virgem esquecida

Rapariga sem ternura,

Sonhando algures uma lenda,

Deixo o meu vestido branco,

O meu vestido de noiva,

Todo tecido de renda...

Este meu rosário antigo

Ofereço-o àquele amigo

Que não acredita em Deus...

E os livros, rosários meus

Das contas de outro sofrer,

São para os homens humildes,

Que nunca souberam ler.

Quanto aos meus poemas loucos,

Esses, que são de dor

Sincera e desordenada...

Esses, que são de esperança,

Desesperada mas firme,

Deixo-os a ti, meu amor...

Para que, na paz da hora,

Em que a minha alma venha

Beijar de longe os teus olhos,

Vás por essa noite fora...

Com passos feitos de lua,

Oferecê-los às crianças

Que encontrares em cada rua...

Alda Lara

Lágrima gota lágrimas

lágrima

é uma sensação que escorrega.

mundo está seco de coisas e trans-sensações

assim a lágrima presta-se

a de ressequir o mundo.

porque:

mundo está duro;

mundo está pedinchar molhadezas

que só amor tem num bolso;

mundo está ainda grande e

tão pequenino já.

lágrima, afinal,

é uma carinhosa correção do mundo

e tem pontes com a amizade.

porque:

sinónimo sincero de amizade

é celebração.

assim mesmo, ela, húmida, bem húmida.

Ondjaki

Momento místico

ando a conversar com os ventos,

para que os ventos me contem, noite e dia,

histórias do quinjango e da rainha jinga.

e a voz dos ventos é uma eterna cantiga

(gritos épicos, líricos lamentos)

onde o meu verso escuta a voz da poesia.

converso com as chuvas e com os rios,

que contam a chorar contos da minha terra.

e é na chuva e no rio que meus olhos frios

descobrem o pranto ardente

onde a alegria se encerra

- e o meu verso encontra o ritmo fluente.

e converso com montes e nuvens – vultos vivos

de grandes negros mortos, tão livres, não cativos.

(aiué, quinjango, aiué!)

e na forma das nuvens e montes o meu verso,

tocado pela lenda e pela fé,

encontra a sua imagem e seu berço.

Bessa Victor

Colheitas Uterinas

Da paisagem testemunhei a prova de fogo.

o silencio material e a riqueza metafísica

na tua lavra, irmã, há colheitas uterinas:

uma nova viagem para que nos regressemos

nós mesmo na indiferença.

Liberdade sem medo, conta os dedos da

tua mão procriada, conta P’ra nação

nosso machado secreto canta pela raiz.

- tens essa noção de fogo em tua tabuada".

João Tala

Arte poética

Que erosão

no choque genésico das marés

de encontro às pedras habitadas.

Cai areia na areia.

Assim o gasto da palavra

limando os duros conformismos

libertando as verdades mais remotas

tão necessárias ao fruir dos gestos.

"Ó Angola meu berço do Infinito"

Ó Angola meu berço do Infinito

meu rio da aurora

minha fonte do crepúsculo

Aprendi a angolar

pelas terras obedientes de Maquela

(onde nasci)

pelas árvores negras de Samba-Caju

pelos jardins perdidos de Ndalatandu

pelos cajueiros ardentes de Catete

pelos caminhos sinuosos de Sambizanga

pelos eucaliptos das Cacilhas

Angolei contigo nas sendas do incêndio

onde os teus filhos comeram balas

e

regurgitaram sangue torturado

onde os teus filhos transformaram a epiderme

em cinzas

onde das lágrimas de crianças crucificadas

nasceram raças de cantos de vitória

raças de perfumes de alegria

E hoje pelos ruídos das armas

que ainda não se calaram pergunto-me:

Eras tu que subias montanhas de exploração?

que a miséria aterrorizava?

que a ignorância acompanhava?

que inventariavas os mortos

nos campos e aldeias arruinados

hoje reconstituídos nos escombros?

A resposta está no meu olhar

e

nos meus braços cheios de sentidos

(Angola meu fragmento de esperança)

deixai-me beber nas minha mãos

a esperança dos teus passos

nos caminhos de amanhã

e

na sombra d'árvore esplendorosa.

João Maimona

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